Em Brasil em Tempo de TV, defende-se a idéia de que todo o espaço público brasileiro é demarcado pela televisão e, à luz da mesma, a vida privada alimenta-se de sua difusão. “… é pela TV que as crianças ingressam no mundo de consumo,… os adolescentes aprendem a namorar, que as donas-de-casa aprendem como decorar a sala”. Porém, o autor não defende em seu texto, a idéia de que a televisão se apresenta com a intenção de doutrinar a massa crítica, na verdade, o autor aponta que a televisão se apresenta com os recursos necessários para suprir as mais diversas expectativas e necessidades da população, sejam elas físicas ou sentimentais. E concorda que a televisão não é uma orientação fechada, que os telespectadores não assistem a mesma sem refletir, “ela é mais um ambiente na vida das pessoas, e é menos um veículo ideário e mais uma ideologia em si mesma.”
No Brasil, o gráfico de crescimento de aparelhos televisivos parece nunca cair. Mas o que aparece como contra-senso nessa questão, é que normalmente isto aponta para certo tipo de desenvolvimento e crescimento. Quanto ao segundo tudo bem, porém, a respeito do desenvolvimento, o que acontece – como o autor explica no texto – é exatamente o contrário “… a importância da televisão numa sociedade, atualmente, é diretamente proporcional às taxas de analfabetismo e subdesenvolvimento”.
A TV, dentro do Brasil, foi o principal meio que conseguiu unificar o país, porém se valendo de uma falsa unificação, ao nos depararmos com o real. Conseguiu fazer, através de ufanismos e patriotismos, o que parecia impossível: unir um país com uma das maiores desigualdades sociais do planeta. E este é o modelo que foi colocado em vigor junto à época da ditadura e, com o fim da mesma, a TV ganha o poder político do país. Não tão esdrúxulo desta forma, mas ela ganha o poder de eleger, o que é claramente visto na maneira como agiu ante as eleições presidenciais de 1984 e 1989. Falando da REDE GLOBO, uma das maiores emissoras privadas do mundo. Líder em nosso país, supera em mais de duas vezes a sua concorrente mais próxima, o SBT. “A Globo não é a única, mas é a perfeita expressão do modelo gerado pelo autoritarismo, e é também a prova de que ele deu certo.”
Enquanto no resto do mundo, a influência da TV tende a definhar, no Brasil, ocorre de forma mais lenta, pois TV e política aqui andam lado a lado, e sabe-se que a segunda não caminha através de rupturas, logo, a primeira, caminhará da mesma forma em direção a pluralização da informação. Como no passado a ditadura precisou da TV para se afirmar, hoje a TV precisa da ditadura para conseguir ganhar seu público e, matematicamente, como a ditadura se mantinha através de ufanismos e patriotismos, a TV brasileira continua se apoiando nisso. “ Somos brasileiros e não desistimos nunca”. O mais forte nessa questão é que a TV criada na ditadura sobreviveu à morte da mesma e, reinventada, ganhou mais poder e maior influência. Mesmo valendo-se de leis – como o parágrafo 5° do Artigo 220: “Os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”- o poder continuou concentrado. “Foi a ausência da crítica e do debate (a ausência das liberdades democráticas) que proporcionou a exuberância da TV brasileira.”
Com o enorme poder que é dado à TV no Brasil, ela é capaz de incluir ou excluir algo da agenda do país – campanha pelo impeachment de 92 – e, com isso, acaba dominando totalmente o espaço público brasileiro. Deixando às escuras assuntos que remetam à própria TV. Teriam que nascer normas éticas que lutassem contra a desinformação e a propaganda enganosa. “A idéia de fazer a TV noticiar e debater a TV ilustra, em parte, o que seria subordiná-la a um espaço público mais eficaz do que ela própria.” Vejam o programa de TV da rede Bandeirantes: CQC.
O autor defende muito em seu texto, que ignorar a TV é querer tapar os olhos para a realidade de nosso país. Ela está super inserida em nossas vidas e integra o país de certa forma. Então temos que olhar para ela com certo distanciamento para podermos melhor entender as nossas influências. Bucci diz que desde criança somos condicionados a não conversar sobre a TV, não discutir sobre a TV e, conseqüentemente, acabar não criticando a TV e deixar o seu poder exercer mais forte. Deveria se falar sobre TV com as crianças, para orientá-las desde cedo sobre os efeitos da televisão. “… discutir a TV brasileira condiz à discussão da nossa própria realidade”.
Constantes do funcionamento da TV no Brasil:
. Telejornalismo se organiza como melodrama. Trata a notícia como mercadoria a ser desejada. Esquema de entreter o telespectador como na ficção. A notícia vira espetáculo no telejornal. Happy-end.
. Novelas precisam propor uma síntese do Brasil. Apesar das novelas das 6 e das 7 às vezes – poucas – acabar experimentando, a das 8 é obrigada a trazer ao público “uma reelaboração estética do próprio país e de suas tensões presentes”.
. A Televisão reproduz a exclusão social e o preconceito de classe à medida que integra. Ao mostrar o Brasil, ela falsifica o Brasil e, portanto, esconde o Brasil. Os comícios de 1984, na campanha das Diretas, não apareciam na televisão, mas agora compõe a memória dos programas jornalísticos como história. Minorias também são afastadas das imagens televisivas, quando aparecem, são para alimentar mais ainda o preconceito. (Negros e pardos nas reportagens policiais)
. A TV depende da concorrência regular de eventos que tenham a pátria por objeto. Eventos esportivos, datas religiosas, campeonatos internacionais. “O veículo se alimenta de fazer a audiência vibrar unida – sem isso, definha.”
. Necessidade de transgredir os próprios limites. A TV tende a conhecer novos espaços, pois antigos espaços são estéreis. Se não encontrar, ela o cria. Isso porque o espaço público aumenta, ou porque o seu contato com o mesmo aumenta. E assim ela coloca novas intimidades na telinha. A televisão vive do chocar os telespectadores. Chocando-os, fascina-os, afirma Bucci. E abrange muitas fronteiras. De idades a classes. “O mesmo vale para os valores éticos. A televisão patrocina cursos educativos, telecursos de química, matemática e geografia e, ao mesmo tempo, opera numa linguagem cada vez mais sumária, reforçando a desnecessidade da leitura do estudo e da reflexão, A TV nega aquilo em que diz acreditar. A TV não tem o controle da TV”.
Conforme o que foi dito, a TV se confunde com o espaço publico, mas não domina por completo. Está, contraditoriamente, sujeita aos movimentos dele. E a publicidade, não só se tornou parte recorrente aos blocos de televisão, como também se tornou linguagem da mesma. Não só dentro da política – esta que já depende do marketing e das ações televisivas para ganhar mais votos – mas também de toda a sua estrutura. Os programas da TV são publicidades de si mesmo (video-show), a publicidade em si, faz propaganda de si mesmo, para também virar atração, entretenimento. Dentro da TV, “o amor, a paixão, os direitos sociais ou as liberdades individuais, a beleza física, a fé religiosa e até os orgasmos são convertidos em objetos de consumo.”
Viva o Youtube, o Vimeo e a liberdade de escolha.
LEITURA RECOMENDADA:
Brasil em Tempo de TV, Eugenio Bucci
Boitempo Editorial, 2005